terça-feira, 2 de junho de 2009

JR entrevista Lili Anderson


IDENTIDADE DE GÊNERO

Vice-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (ALGBT)

“Muitas meninas que estão inseridas no espaço escolar são obrigadas a esconder a sua transexualidade enquanto estiverem na universidade, e até depois, para poderem se inserir no mercado de trabalho”, afirma Lili (à esquerda, na fotografia). Com personalidade e franqueza, a vice-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays Bissexuais e Transexuais (ALGBT), a capixaba Liliane Anderson conversou com universitários e professores do Uni-BH a convite do Jornal da Rua, no final da tarde de segunda-feira, 13 de abril de 2009.

No Centro de Produção Multimídia do Uni-BH, a transexual (ela assim se auto-denomina, mesmo sem ter feito cirurgia para mudança de sexo) abordou diferentes temas em duas horas de conversa com o público, tais como a diferença entre travesti e transexual, prostituição, invisibilidade social, projetos e atuação governamental para transexuais e travestis, saúde, violência física e desrespeito aos direitos do cidadão. Uma palestra franca e surpreendente, que você acompanha em detalhes no Jornal da Rua Online.

Travesti e transexual

O travesti não quer ser comparada nem como mulher, nem como homem. Nós, transexuais, quisemos participar do programa “Saúde da Mulher”, assim como ficamos junto com o movimento das feministas. As travestis vão usar o lado feminino no lado social, por medo de ser agredida. Mas a luta é outra. Nós, transexuais, mesmo os que não querem fazer cirurgia, repudiamos nosso órgão sexual, diferente das travestis que não repudiam. Eu não penso em fazer a cirurgia. Dá para perceber que o Brasil não está preparado para isso. Quantas cirurgias as “meninas” fazem e tem problemas adiante? E o tratamento psicológico que é passado não se encaixa no nosso padrão. >>> Para saber mais, clique aqui.

Transexuais com sexo-alvo masculino (mulheres que querem ser homens)

São muito pouco falados. Temos vários no Brasil. No Sudeste, temos o Xande, que tem uma filha, e que, com o tempo, se descobriu como homem. Temos também o Régis, que é de São Paulo e trabalha na Guarda Municipal. Quando se fala nisso, pensa-se muito no homem como mulher, mas existe o inverso também.

Invisibilidade

Como é que vocês vêem a questão dos travestis? [Lili rompe o silêncio momentâneo com a pergunta]. Às vezes, temos no nosso imaginário, uma imagem péssima delas, já que não conhecemos essa população. Se vocês falarem que não vêem, vou sair daqui com a minha identidade roubada, pois eu sei as olhadas que recebo quando saio às ruas. >>> Confira as respostas dos participantes clicando aqui.

Recepção no Ministério da Cultura

Eles sempre nos recebem muito bem, principalmente quando o Gilberto Gil era ministro, assim como o Ministério da Justiça. Tanto é que os dois ministérios estavam na nossa última conferência nacional LGBT e a Educação também esteve presente.

Exclusão em diferentes esferas

O primeiro espaço que é negado a essas pessoas [travestis] é o da família. É visto que é melhor a pessoa se vestir e se comportar como homem, por causa do vizinho e dos amigos.

Os travestis têm uma identidade que não necessita que carreguemos uma bandeira de arco-íris. Nossa identidade está estampada o tempo todo. Pro gay é muito mais fácil se inserir num ambiente, pois ele consegue passar batido, sem chamar muita atenção. Agora um travesti e um transexual, a partir do momento que mostra o documento, por mais feminina que seja, é detonada.

O segundo espaço é o escolar. Este
[1] “Educação para Todos” é falso. O educador não está sabendo lidar com a homossexualidade e a gente vê isso o tempo todo. Eles chamam o pai para “resolver o problema”, e, o que ele vai fazer com aquela criança? Ou vai mudar de escola ou vai espancar. Ali a criança começa a assumir a homossexualidade dela. Começa a tomar hormônio, construir sua identidade, até usar roupa feminina. A escola não está preparada para aceitar. Começam as piadas dos próprios professores, depois vem dos alunos e esse aluno homossexual vai sair da escola. Uma travesti pode entrar na universidade, mas ela não vai conseguir sair formada dali.

O terceiro espaço é a sociedade, que é hipócrita. O travesti que está no sinal incomoda, mas ninguém para e reflete sobre que leva essas pessoas a se prostituírem. É muito mais fácil apontar o dedo e fazer uma crítica. Eu acho que os universitários têm que levantar essa pauta. Mas não adianta fazer pesquisa e ficar engavetada. Isso é o que a gente mais vê (Lili fala sobre as diferentes esferas de exclusão).

Prostituição

O Nordeste é onde as crianças saem mais cedo de casa e vão para a prostituição, com 13, 14 anos. Em São Paulo há uma casa de prostituição com 300 travestis do Nordeste. O conselho tutelar não assiste a essa população de crianças travestis, que estão na prostituição e que nem são daqui! Esses dias, eu passei três dias na zona de Campinas e vi um garoto de 14 anos se prostituindo. A sorte dele é que a cafetina o colocou na escola. Isso, porque ela é politizada. Se não fosse, ele estaria apenas trabalhando. Lá, o trabalho na zona começa 9 horas da manhã e vai até 22. Quem vai lá, está à procura de sexo. É um lugar só de prostituição, em que você encontra meninas e travestis. Menina menor de idade não encontra, mas travestis menores [de idade] são o que mais têm.

Nunca me prostituí, mas não sou contra. Sou contra umas meninas que querem discutir a prostituição e eu acho que não é o momento para discutir isso. Quantas universitárias você vê na prostituição? Quantos desclassificados? Quantas mulheres na Guaicurus? Elas estão ali porque fizeram disso uma profissão. Infelizmente, na nossa vida [isso] é muito complicado, porque hoje eu estou aqui, mas amanhã eu não sei. A questão é falta de opção. Quando meu contrato acabou na prefeitura fiquei louca pensando o que iria fazer, se iria pra rua, o que
faria. Até que o [2] Marco Aurélio me convidou para UFMG. Por isso, não sou nem a favor e nem contra, eu respeito aquelas que fazem disso a sua profissão.

Projetos

O movimento, hoje, tem vários projetos. Temos para os GBT. Temos o Tulipa, que fui coordenadora na Região Sudeste. O único estado que não consegui chegar foi Minas Gerais, o pior para se aproximar. Eu achava que não conseguiria alcançar São Paulo, por ser enorme. Mas a aceitação foi ótima. Já o governo de Minas não faz nada. Fica com cara de paisagem, para todo mundo achar que é ótimo, e é péssimo. Os setores sociais não conseguem bater de frente com o governo. >>> Confira mais projetos clicando aqui.

Destaques

Temos uma engenheira civil que é travesti. Ela trabalha em uma obra e quebra todos os preconceitos.

Tivemos a Janaína Dutra, uma advogada de Fortaleza que veio a falecer. Ela foi a única do Brasil com a carteirinha da OAB e, ainda, ficou no Ministério da Justiça. Muitas das leis que temos hoje na saúde foram implantadas por ela, que conseguiu conquistar a bancada evangélica. (Roberto pergunta a Lili sobre destaques entre os travestis). >>> Clique aqui e conheça outros casos bem-sucedidos.

Concurso público

Muitas pessoas perguntam por que os travestis não fazem concurso público. Mas não adianta. Quando passa e vai apresentar os documentos, falam que as vagas já estão ocupadas. Você passa e fica na espera. Isso é tão comum! A maioria dessas pessoas não conhece a questão dos direitos humanos e acabam aceitando essa situação. >>> Leia sobre o caso de uma estudante aprovada em primeiro lugar, clicando aqui.

Saúde e violência

Essa questão de saúde, proteção, a gente tem levado para o “Educação para Todos”. O Brasil está muito preocupado com o jovem e tem começado a educar nesse lado de prevenção. A violência é muito grande sim e não é mostrado na mídia. Aqui em Minas, muitas travestis são mortas. Quando a gente pega o número de assassinados na nossa população, ela é maior contra homossexuais masculinos. Não sei se é porque estamos inseridas o tempo todo como marginais, conclui Liliane Anderson sua participação no evento.

NOTAS
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[1] O movimento da Educação para Todos é um compromisso mundial para prover uma educação básica de qualidade a todas as crianças e a todos os jovens e adultos. O movimento se iniciou durante a Conferência Mundial sobre Educação para todos, em Jomtien, em 1990, quando representantes da comunidade internacional concordaram em universalizar a educação básica e reduzir massivamente o analfabetismo até 2015

[2] Prof. Marco Aurélio Máximo Prado (Dep. Psicologia/Fafich/UFMG), Coordenador do NUH – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania GLBT

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS:
Madson Luiz
EDIÇÃO: Lucas Fernandes

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"Esgota-se o texto, mas não a informação, que é perene como um rio após a cheia" (Anônimo)

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